Uma alma pra quem merece.
Hoje eu acordei cedo, o sol nem saiu ainda, mas não pense que foi porque eu estava sem sono, pois isso eu tenho de sobra!
Meus meios irmãos vão acordar daqui a pouco e tenho que fazer o café para eles, e sumir por um tempo para que eles não fiquem incomodados.
E imagine só, se a esposa de papai me ver em seu caminho!? Com certeza as coisas não ficarão boas, mas eu fiz bolo de fubá hoje, pode ser que eles comecem a gostar de mim.
E eu acho que papai pode trazer algo para mim, me disseram que hoje faço quinze anos e para os brancos isso é algo importante.
Eu sou mestiça sabe?
Meu pai em um dia que não aguentava mais sua senhora foi até a senzala e levou minha mãe para dentro de casa escondida, depois que eu nasci branca, ele nem ligou só me levou para ser sua empregada quando a Dona da Casa matou ela, por ciúmes.
Eu deveria odiar ela, mas não consigo guardar rancor, não adiantaria nada mesmo, eu tenho sangue de negra, o rancor só serviria para que eles só acreditasse mais que não temos alma.
Barulhos de passos em minha direção.
Jesus! Demorei muito tempo, agora minha meia família já está vindo, não tenho como sair.
Postura reta e um sorriso leve para eles.
Meus dois irmãos são os primeiros que eu avisto, ela usa um belo vestido, fico até com vergonha de estar perto dela, já ele usa um elegante traje azul, em seguida vejo a senhora com um belo penteado logo de manhã, incrivelmente chique.
Logo após ele... papai.
O homem que eu sempre tento chamar atenção, com um elegante terno. Ele é tão bonito e charmoso, meu coração acelera será que ele vai me chamar?
Assim que se sentam e notam minha presença, nem se incomodam.
Eu acho que isso é um sinal.
Deve ser porque faço quinze anos hoje, e papai vai me fazer uma surpresa.
Pode ser que me levem para passear, ou me chamem para tomar café com ele,
Não!
É bem melhor que isso... vou fazer parte da família, eles vão me aceitar.
Oh Deus, papai me olhou! Ele está olhando para mim, será que estou bonita?
De repente ele levanta a mão em gesto de chamar e diz:
- Criada!
Criada?
Estou tremendo um pouco, mas faço gesto de concordância com a cabeça.
- Pode pedir que o Tonhô prepare os cavalos? Hoje é aniversario de minha filha Elizabeth e vamos passear.
A menina branca sorri e diz:
- Papai onde o senhor vai me levar?
Eu não consegui ouvir as outras palavras, saí para falar com Tonhô enquanto começava a chorar e sentia o olhar dos brancos sobre mim, provavelmente se perguntavam:
- Será que ela tem uma alma?
Eu não sei.
Será mesmo que por sermos negros, não teríamos uma alma?
Será que por ser negra eu não merecia ter uma família?
Será que por ser negra eu não teria o direito de ser chamada de filha?
Fiquem na paz...
Gabriela Kandal